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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Começar de novo

O que sei deste e que ele foi escrito por um argentino,quando deu uma enchente anos atrás.
Uma reflexão de como uma trágedia muda profundamente a vida das pessoas.





Eu tinha medo da escuridão, até que as noites se fizeram longas e sem luz;

Eu não resistia ao frio facilmente, até passar a noite molhado numa laje;

Eu tinha medo dos mortos, até ter que dormir num cemitério

Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires; até que me deram abrigo e alimento;

Eu tinha aversão a Judeus, até darem remédios aos meus filhos

Eu adorava exibir a minha nova jaqueta, até dar ela a um garoto com hipotermia;

Eu escolhia cuidadosamente a minha comida, até que tive fome;

Eu desconfiava da pele escura, até que um braço forte me tirou da água;

Eu achava que tinha visto muita coisa, até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas;

Eu não gostava do cachorro do meu vizinho, até naquela noite eu ouvi-lo ganir até se afogar;

Eu não lembrava os idosos, até participar dos resgates;

Eu não sabia cozinhar, até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome;

Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras, até ver todas cobertas pelas águas;

Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome, até a gente se tornar todos seres anônimos;

Eu não ouvia rádio, até ser ele que manteve a minha energia;

Eu criticava a bagunça dos estudantes, até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias;

Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos, agora nem tanto

Eu vivia numa comunidade com uma classe política, mas agora espero que a correnteza tenha levado embora

Eu não lembrava o nome de todos os estados, agora guardo cada um no coração

Eu não tinha boa memória, talvez por isso eu não lembre de todo mundo, mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos

Eu não te conhecia, agora você é meu irmão

Tínhamos um rio, agora somos parte dele

É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio.
Graças a Deus.
Vamos começar de novo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bruno espetacular esse texto, com lágrimas reflito o quanto somos frágeis... um grande abraço, obrigada por postar esse tesouro!